Cultura digital X Cultura escolar: repensando as estruturas.

O conceito de cultura é amplo e envolve desde práticas sociais, costumes, religião, ritos e modos de ser e fazer, de trabalhar e viver. Por muitos anos, a antropologia baseou-se na visão de que existia uma cultura ideal, evoluída, na qual os grupos culturais deveriam migrar de estágios até adequar-se a esta cultura considerada “correta” a qual seja: o homem (não a mulher), branco, europeu, elitizado. Tudo que era fora dessa caixinha, dessa lógica era (e ainda é) tido como errado, inculto, primitivo. Esse pensamento teve reflexo em todas as instâncias da nossa sociedade, as polarizações, as dicotomias: norte X sul, desenvolvidos X em desenvolvimento - no nosso próprio país, em especial, vemos por vezes a secundarizarão e o preconceito com aqueles que não são do sul ou sudeste. Nós nordestinos somos visto como menores, caipiras, pobres, mal ajeitados e sem educação. Sim! Isso ainda persiste!

Infelizmente na educação não é diferente, somos o tempo todo colocados em dicotomias, e a meritocracia é marca desse cenário: aqueles que supostamente não avançaram dentro do padrão, dentro da caixa, são desprezados e colocados em posição de inferioridade frente os que “conseguem produzir”. Nessas horas as teorias pedagógicas caem por terra e somos vistos como máquinas, ou seja, ou você produz da forma que o sistema quer, no momento que ele considera adequado ou você é visto como o mau aluno, o famoso: “aluno que não quer nada”, aquele que não se esforçou o suficiente. Infelizmente a cultura escolar privilegia os que avançam, os que alcançam o padrão, marginaliza o erro, o ter dificuldade, rouba dos nossos professores e alunos a sua própria humanidade. Essa é a educação que temos! Não só no ambiente escolar, embora a escola seja o alvo em que toda crítica acadêmica é centrada, vemos que nossas universidades reproduzem as mesmas lógicas de forma ainda mais sorrateira e cruel.

Ao invés de alterarmos essa estrutura, nós como educadores, a perpetuamos em nossas ações, na forma como vemos o outro, como classificamos, selecionamos, julgamos, apontamos nossos alunos ou mesmo os expomos a situações humilhante e constrangedoras usando do nosso poder, ou autoridade de professor. Acredito que se não repensarmos estas questões, se não buscarmos o alinhamento do nosso discurso sobre educação com nossa prática vai ser impossível construir na escola, ou nas universidades a cultura digital, que possui características que se opõem a todo esse maneira de ver a produção de conhecimento e o outro.

 As gerações atuais têm sido criadas com base em uma perspectiva de opinar em rede, construir em rede, se expor, falar o que pensam sem medo do que as instituições escolares, os professores, a academia e a sociedade vão falar, mas quando chegam nas escolas, estes mesmos jovens, são segregados, silenciados e controlados. Fico aqui com meus botões me perguntando: Como mudar essa cultura, se não mudamos a nós mesmo? Como podemos fazer a crítica a essa cultura escolar repressora se a reproduzimos cotidianamente com nossos alunos? Como fazer diferente se essas estruturas cruéis e predatórias estão tão arraigadas em nossa prática pedagógica? Penso na cultura digital como fundamental para repensarmos uma outra lógica de aprendizagem, de construção horizontal de conhecimentos, na qual os nossos alunos sejam respeitados pelo que são em sua condição de seres humanos, não simplesmente pelo erro ou acerto, ou simplesmente pelo que produzem.


Concluo concordando com os autores Pretto e Bonilla (2015) quando estes nos diz que não basta apenas ter tecnologias nas escolas, nas universidades, é preciso uma mudança estrutural de nossas concepções e ações, sobre o outro, com o outro e com a educação. Não apenas no nível mais amplo do governo, das políticas públicas estatais, mais principalmente no chão da escola, das salas de aulas, das universidades. Devemos trabalhar a partir do que o celebre educador Paulo Freire nos diz: ação-reflexão-ação, rompendo a visão ocidental maquínica e fabril que nos rotula e rouba nossa humanidade!




BONILLA, Maria Helena; PRETTO, Nelson. Política educativa e cultura digital: entre práticas escolares e práticas sociais. Revista Perspectiva, Florianópolis, v. 33, n. 2, p. 499 - 521, maio/ago. 2015

Comentários

  1. Muito importante a ideia que você trás de "evolução". De fato ainda não quebramos inteiramente certos paradigmas, que nos dia de hoje se apresentam como preconceitos de raça, gênero, religião, região, etc. As tecnologias digitais, de certa forma, consegue colocar em evidência esses tencionamentos todos.


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  2. Relaciono os comentários do seu texto ao conceito de cultura segundo Vygotsky que expõe como a cultura influencia o desenvolvimento psicológico das pessoas, por meio do uso de signos que mediam o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Assim, a cultura é produzida pelo ser humano, fruto de suas relações sociais, que são internalizadas, elaboradas psiquicamente e depois expressas ao contexto social. Desta forma, nota-se que a cultura escolar contribui para o desenvolvimento das pessoas.

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  3. Esse é um problema que ainda existe na Universidade, ainda seja ali mesmo onde se tente desconstruir ditos preconceitos sobre a escola, mas é nossa responsabilidade como alunos de Educação romper com essas cadeias e mostrar que o conhecimento não se produz de jeito mecânico, para assim forma-nos como professores que possam formar uma nova geração de alunos.

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